Como as mudanças climáticas já afetam o cotidiano no Brasil
09/11/2025
(Foto: Reprodução) O que é a COP e por que ela importa?
No dia em que completou cinco anos, em 12 de março de 2025, a menina viu sua casa alagar no Jardim Pantanal, em São Paulo (SP). Ela foi abrigada na casa de uma vizinha – longe do cachorrinho que acabara de ganhar de presente.
"O aniversário foi uma tragédia. Toda vez que ela escuta barulho de chuva, ela chora desesperadamente com síndrome de pânico", contou a prima, Thaynah Gutierrez.
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Secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista, Gutierrez contou essa história para ilustrar como os eventos extremos, intensificados pelas mudanças climáticas, interferem diretamente na vida das pessoas. Esses impactos, porém, são desiguais: atingem com mais força as periferias e vitimam, sobretudo, os mais pobres e negros.
Dias antes do aniversário da menina, o Jardim Pantanal havia passado dias alagado. "É uma região muito baixa, pantanosa, que não tinha condições de abrigar tantas moradias. As comunidades, as famílias sempre construíram as casas com um degrau acima para conseguir conter a água. Só que hoje temos um volume de chuva que essas estratégias de adaptação já não conseguem mais resolver", avaliou Gutierrez.
A Conferência da ONU sobre o Clima em Belém, a COP30, pretende buscar soluções para o aquecimento global e para as mudanças climáticas, que estão bem mais próximas do cotidiano do que muitos pensam. São impactos que já estão sendo vivenciados no dia a dia e que devem se agravar, alertaram especialistas ouvidos pela DW.
Os eventos extremos, como chuvas intensas, secas e ondas de calor, fazem parte do sistema natural, explicou Regina Rodrigues, professora de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em mudanças climáticas. Mas o aquecimento global tem tornado esses fenômenos mais frequentes e intensos.
Além dos desastres, há outros impactos menos visíveis, como a inflação provocada pela queda na produtividade de alimentos como cacau e café, o racionamento de água em cidades, os riscos na geração de energia e os efeitos sobre a saúde humana. "Não é uma coisa do futuro. E aí, quando vem o desastre, ele escancara o que estava acontecendo, fica muito óbvio. Porque ele leva todas essas circunstâncias ao limite", avaliou Rodrigues.
A face mais conhecida
Os impactos mais conhecidos do aquecimento global são os desastres, como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, causando 183 mortes, problemas de saúde física e mental e graves prejuízos financeiros. Um estudo da World Weather Attribution (WWA), rede de cientistas da qual Rodrigues faz parte, mostrou que as mudanças climáticas dobraram as chances de a chuva extrema acontecer.
As mudanças climáticas também tiveram um papel fundamental na seca na Amazônia em 2023, segundo o WWA. "Para simplificar, poderia dizer que 75% da seca extrema foi causada pelas mudanças climáticas e só 25% por efeito natural, que era o El Niño", salientou Rodrigues.
Do ponto de vista das periferias, os principais problemas são, em primeiro lugar, as ondas de calor, seguidas pelas enchentes e inundações, avaliou Gutierrez, da Rede por Adaptação Antirracista. "Há um impacto muito grande do calor que não é noticiado da mesma forma que as enchentes, devido à toda comoção que elas geram."
Um estudo do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou o tamanho desse problema. Entre 2000 e 2018, cerca de 48 mil mortes em excesso ocorreram durante ondas de calor apenas nas 14 principais regiões metropolitanas do país.
O estudo mostrou ainda que o impacto do calor foi maior entre pessoas idosas, pretas, pardas e com menor nível de escolaridade. É um exemplo do que se chama de racismo ambiental.
"O racismo ambiental diz que as populações que foram marginalizadas e excluídas das boas condições de infraestrutura, dos bons lugares de moradia, que são majoritariamente negras, indígenas e quilombolas, estão em situações vulnerabilizadas. E essas desigualdades pré-existentes aprofundam os desastres ambientais e climáticos", explicou Gutierrez.
Impactos interligados
O AdaptaBrasil, plataforma do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), reúne dados sobre os diferentes riscos relacionados às mudanças climáticas. Ali é possível visualizar como áreas estratégicas – como infraestrutura, segurança energética, recursos hídricos e saúde – estão expostas a esses impactos.
Como as áreas estão interligadas, é preciso trabalhar e investir em adaptação, disse o coordenador científico da plataforma e pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Jean Ometto. Um dos exemplos da importância de olhar o conjunto é a segurança alimentar.
"A segurança alimentar passa por um planejamento frente às emergências também. E infraestrutura dialoga com isso. Quando eventos extremos, por exemplo, bloqueiam estradas ou pontes, o acesso a alimentos, água e medicamentos pode ser comprometido", explicou.
Embora a produção agropecuária brasileira esteja aumentando, muitos municípios já enfrentam riscos associados à segurança alimentar. De acordo com dados da plataforma, atualmente 125 cidades estão classificadas com risco alto e muito alto. Em 2050, esse número deve saltar para 688, no melhor cenário, e 777, no pior.
Outra preocupação menos conhecida é o avanço de doenças, como dengue, zika e chikungunya. "Há efeitos menos diretos das mudanças climáticas, como a dengue. Com o aumento da temperatura e potencialmente mais umidade, o inseto se reproduz mais e pode ter esses picos de ocorrência de arboviroses", disse Ometto.
Adaptação, COP e periferias
Além da mitigação, ou seja, a busca por retirar os gases do efeito estufa na atmosfera, é essencial investir em adaptação. "Nós estamos lentos nessa história. A adaptação chegou um pouco mais tarde. Porque, historicamente, pensava-se que só íamos precisar nos adaptar se não conseguíssemos mitigar", analisou Ometto.
Em uma carta divulgada em 24 de outubro, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, destacou a importância da adaptação. "À medida que a era dos alertas dá lugar à era das consequências, a humanidade se depara com uma verdade profunda: a adaptação climática deixou de ser uma escolha que sucede à mitigação; ela é a primeira parte de nossa sobrevivência", escreveu.
Na visão de Corrêa, a adaptação climática faz parte da própria evolução humana. "Em cada momento decisivo de nossa evolução, nossa espécie conquistou seu lugar neste planeta por meio da adaptação – aprendendo, inovando e transformando as próprias condições da vida."
Um dos pontos que será discutido na COP é a Meta Global de Adaptação, que deve estabelecer indicadores para avaliar a adaptação dos países. Embora tenha sido introduzida em 2015, sua implementação e operacionalização serão temas centrais de negociação em Belém.
Segundo Gutierrez, a adaptação precisa considerar soluções baseadas tanto na natureza quanto nas comunidades. "As soluções baseadas na natureza são extremamente importantes, mas você não vai fazer elas caírem do céu e chegarem nas periferias tomadas de concreto. Isso não acontece de uma hora para outra. Você vai precisar olhar para as demandas que aquela comunidade tem e reparar a partir da necessidade que está colocada."
Períodos extremos de seca estão ficando cada vez mais frequentes.
Bruno Kelly/Reuters via DW